segunda-feira, 16 de março de 2009

CORPO DE CRISTO

Esta imagem é tipicamente paulina. Ela é elaborada a partir de problemas que Ele (Paulo) enfrentou com a comunidade de Corinto. Esta comunidade apresentava sérios problemas pastorais, doutrinais e morais. Além desses problemas havia um grupo conhecido como “Os Entusiasmados” que já se julgavam salvos, segundo este grupo, Jesus já havia realizado tudo por eles, e eles não precisavam de mais nada. Além deste problema o próprio texto ainda deixa entrever outro, pois existiam dentro da comunidade, subgrupos que tinha ciúmes, inveja, que competiam entre si, grupos de : Pedro, Paulo e Apolo, eles estabeleciam divisões na comunidade. Por esse motivo e para solucionar esse problema, Paulo usa a imagem do Corpo, que embora seja um todo, é composto de vários membros. Essa dimensão horizontal de mutua colaboração, é portanto, extremamente enfatizada na imagem do Corpo de Cristo, demonstrando assim, a necessidade de cooperação mutua. Esta concepção da Igreja como Corpo de Cristo foi sendo desenvolvida aos poucos. Começa pelas Cartas aos Coríntios sendo também utilizadas na Carta aos Romanos que enfatiza a dimensão de colaboração entre os membros.
O que é a Igreja? Qual sua missão no mundo?Como deve ser a Igreja que quer ser a continuadora da obra de Jesus de Nazaré? Essas perguntas, entre outras, são próprias da eclesiologia. As duas primeiras não podem ser respondidas sem a terceira. Essa terceira é princípio e fundamento. O especifico das igrejas cristãs é que seus membros -discípulos e discípulas- vivem, no âmbito pessoal e comunitário, os valores alternativos do reinado de Deus, que estão condensados no Sermão da Montanha (MT 5-7) Portanto, as respostas não são puramente teóricas ou doutrinais, mas testimoniais. Têm a ver com uma prática concreta e histórica inspirada por Jesus de Nazaré, pela tradição apostólica e pela vida das primeiras comunidades cristãs. Com este espírito, buscamos, uma aproximação à concepção e à prática eclesiológica desenvolvida por Monsenhor Romero. O fio condutor que seguiremos são os conteúdos eclesiológicos de suas quatro Cartas pastorais como Arcebispo da Arquidiocese de San Salvador, El Salvador. Nelas, encontramos plasmadas parte do legado que ele nos deixou; legado de incontestável valor histórico, eclesial e humano.
Aproximar-nos à eclesiologia desenvolvida por Monsenhor Romero desde suas quatro Cartas Pastorais tem, pelo menos, quatro vantagens: primeiro, são os escritos de um pastor ao seu povo e, de tal maneira -como afirma Monsenhor Ricardo Urioste - expressam os sentimentos mais profundos de um pastor que encarnou seu ministério na vida concreta dos homens e mulheres de seu tempo, especialmente, dos pobres. Segundo, elas recolhem os fundamentos teológicos nos quais se apoiava seu ministério e as opções pastorais da arquidiocese (são verdadeiros documentos eclesiais). Terceiro, nelas se unem história, fé, vida e doutrina. Quatro, esses escritos são uma boa referência de historização do que se constitui a missão essencial da Igreja: a evangelização.
Uma idéia central se faz presente em cada uma das Cartas: que a Igreja consiga ser fiel a sua identidade e às urgências humanas que lhe são apresentadas na historia. Com exceção da primeira Carta (escrita em abril de 1977), as três seguintes foram escritas no contexto das celebrações da Transfiguração do Senhor dos anos de 1977, 78 e 79. A seleção do momento tinha profunda motivação de fé: atualizar, a partir das próprias circunstâncias históricas da Arquidiocese, a voz do Pai que, através da liturgia da Igreja, proclama que Jesus (o Patrono de El Salvador) é o Filho de suas complacências e que nosso dever é escutá-lo (Mt 17,5)
. Motivações e circunstâncias das Cartas Pastorais
(a) Igreja da Páscoa (abril, 1977). Escrita por ocasião da substituição de Monsenhor Luis Chávez González. Segundo Monsenhor Romero, esta é uma carta de apresentação e constitui "uma profissão de fé e confiança no espírito do Senhor, que constrói e anima; que dá unidade e progresso à Igreja, mesmo quando mudam os elementos humanos que a compõem e dirigem". O título ‘Igreja da Páscoa’ quis expressar as circunstâncias reais e litúrgicas da Quaresma, da Paixão e da Páscoa, que marcaram aquela época difícil, caracterizada pela perseguição contra a Igreja, pela repressão que afogava os anseios de libertação e pelo auge da Doutrina de Segurança Nacional, que instaurou, de maneira sistemática, a violência e o terror.
(b) A igreja Corpo de Cristo na história (agosto, 1977). Em um contexto de difamação e de perseguição da Igreja até o martírio, Monsenhor Romero aprofunda sobre a missão da Igreja e de seu serviço no mundo como prolongamento da missão de Jesus. Seguindo a mais genuína tradição da Igreja, ele propõe que a Igreja é o Corpo de Cristo na história, servidora do Reino de Deus e, por isso, tem a missão de anunciar e realizar o Reino dos pobres. Dessa maneira, comunica a esperança, mas não uma esperança ingênua porque vai acompanhada pelo sangue de seus sacerdotes e de seus seguidores: sangue e dor que denunciam a existência de dificuldades objetivas e de más vontades; porém, sangue que também é expressão de vontade de martírio e que, portanto, é a melhor razão e testemunho de uma esperança.
(c) A Igreja e as organizações político-populares (agosto, 1978). Escrita conjuntamente com Monsenhor Arturo Rivera Damas (nesse tempo, bispo de Santiago de María) e como resposta à gravidade dos problemas predominantes na época: a violação do direito de organização popular e os diversos tipos de violência que se generalizavam no país. A Carta foi considerada a primeira tentativa séria de abordar, teológica e pastoralmente, ambos os problemas.
(d) Missão da Igreja em meio à crise do país (agosto, 1979). “Esta Carta foi motivada pelas novas formas de sofrimento e pelos atropelos vividos no país; e também pelo que o Monsenhor chama de ‘o Novo Pentecostes”, representado na Terceira Conferência Episcopal da América Latina, celebrada em Puebla (México), que, na opinião de Monsenhor Romero, capacita melhor a Igreja para acompanhar o povo em suas angústias e esperanças; em suas frustrações e expectativas.
. Alguns aspectos eclesiológicos nas Cartas Pastorais de Monsenhor Romero
(a) A Igreja existe para viver e lutar pela mesma causa de Jesus
Segundo Monsenhor Romero, “a Igreja é a comunidade de homens que professam a fé em Jesus Cristo como único Senhor da história. É uma comunidade de fé cuja primeira obrigação , cuja razão de ser está em dar prosseguimento à vida e atividade de Jesus. Ser Igreja é manter na história, através dos homens, a figura de seu Fundador. A Igreja existe, principalmente, para a evangelização de todos os povos; é uma instituição formada por homens com formas e estruturas determinadas; porém, tudo isso se organiza somente ao serviço de uma realidade mais fundamental: o exercício de sua tarefa evangelizadora. Nessa tarefa, tem que continuar proclamando sua fé em Jesus Cristo e tem que continuar a obra que o próprio Jesus realizou na história. E, ao fazer isso, está sendo o Corpo de Cristo na história" (cf. 2ª CP, p.79).
Conseqüentemente, se cristão, para Monsenhor, será viver e lutar pela mesma causa que Jesus lutou: o reino de Deus. "Cumpriu-se o tempo e o reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam na boa nova" (Mc 1,15). Assim começa e resume Cristo sua mensagem evangélica, afirma Monsenhor. Seus ouvintes, agrega, entenderam o que isso significava: uma maneira de conviver entre os homens de modo a que se sentissem irmãos e, dessa forma, também filhos de Deus (cf. Ibid., p.16). Portanto, a Igreja não vive para si. Sua razão de ser é a mesma de Jesus: um serviço a Deus para salvar o mundo (cf. 1ª CP, p.17). Em sua primeira Carta - que tinha como objeto a apresentação do novo pastor da Arquidiocese, Monsenhor manifesta que lhe agrada muito sublinhar esse sentido de serviço porque, ao assumir seu novo ministério, busca "viver e sentir, o mais próximo possível, os sentimentos do Bom Pastor que ‘não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida’ (MT 20,28)" [cf. Ibid., p.15]
Monsenhor enfatiza que na causa do reino de Deus é evidente a preferência de Jesus pelos pobres (Lc 4, 18-19). Esta preferência, assinala, percorre todo o evangelho. Dirige-se a eles, fundamentalmente, em suas curas, exorcismos; com eles convive e come; se une, defende e promove todas aquelas pessoas que, por razões sociais e religiosas, estavam à margem da sociedade de seu tempo: os pecadores, os publicanos, as prostitutas, os samaritanos, os leprosos (cf. 2ª CP. p.17). Para Monsenhor isto não significa uma rejeição ás demais classes sociais a quem também a Igreja quer servir e iluminar e às quais também exige sua cooperação à construção do reino de Deus. Significa, isso sim, a preferência de Jesus por aqueles que têm sido objetos dos interesses dos homens, ao invés de serem sujeitos de seu próprio destino (cf. 2ª Ibid., p.21).
Por isso, o anúncio do reino de Deus na história, enquanto missão fundamental da Igreja, supõe também, segundo Monsenhor Romero, a clara denúncia de tudo aquilo que impeça, impossibilite ou destrua o projeto de Deus (cf. Ibid., pp.18-19). Nisso também converge Jesus, para quem ao anúncio do reino agrega a denúncia do pecado de seu tempo: denuncia o falseamento que se tem feito de Deus, manipulado em tradições humanas que destroem a verdadeira vontade de Deus (Mc 7, 8-13), denuncia o falseamento do templo, que, sendo a casa de Deus, foi convertida em guarida de ladrões (Mc 11, 15-17), denuncia uma religião sem obras de justiça, como na conhecida parábola de bom samaritano (Lc 10, 29-37), denuncia a atitude de todos aqueles que têm feito do poder não um meio para o serviço aos desvalidos, mas uma maneira de mantê-los na opressão (Lc 6,24; Lc 11, 46; Lc 11,52; Mt 20,25)
Viver e lutar pela mesma causa que Jesus implicou para Monsenhor Romero compromissos muito concretos: o fomento de uma sólida orientação doutrinal, a denúncia profética do pecado histórico, a promoção da libertação integral, o desmascaramento das idolatrias predominantes na sociedade salvadorenha; urgir mudanças estruturais profundas e acompanhar o povo nas classes populares e no setor das classes dirigentes (cf. 4ª CP, n.37).
(b) Uma Igreja solidária com os pobres e sua história libertadora
Durante muitos anos, Monsenhor afirma, nos acostumamos a pensar que a história dos homens, seus gozos e tristezas, seus avanços e fracassos são algo provisório e passageiro, de pouca importância em comparação com a plenitude final. Parecera que a história dos homens e a história de salvação corriam por caminhos paralelos. Parecia que nossa história profana, ao sumo, não era mais do que um período de provação para a salvação ou condenação definitiva. A Igreja atual -segundo Monsenhor- tem outra noção do que é a história dos homens. Não é oportunismo, nem mero desejo de adaptar-se ao mundo o que a leva a pensar distinto. É porque recobrou eficazmente a intuição que percorre toda a Bíblia de que Deus está atuando na história humana. E, por isso, deve levar muito a sério a história dos homens (cf. 2ª CP, p.8).
Esta preocupação com a história humana, segundo Monsenhor, não é genérica, mas muito concreta: "A Igreja tem uma missão de serviço ao povo. Precisamente de sua identidade e missão especificamente religiosa derivam funções, luzes e energias que podem servir para estabelecer e consolidar a comunidade humana segundo a lei divina. À Igreja compete recolher tudo o que de humano haja na causa e luta do povo, sobretudo dos pobres. A Igreja se identifica com a causa dos pobres quando estes exigem seus legítimos direitos. Em nosso país, esses direitos, na maioria dos casos, são apenas direito à sobrevivência, a sair da miséria" (cf. 3ª CP, nn. 62,63). Sua inserção na realidade nacional, como novo pastor da Arquidiocese, foi fundamentada por Monsenhor Romero nessa nova relação da Igreja com o mundo, através dos novos olhos com que a Igreja vê o mundo, tanto para questioná-lo no que tem de pecado, como para deixar-se questionar pelo mundo no que ela mesma pode ter de pecado (cf. 2ª CP, p.5). O Concílio Vaticano II proclamou que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de nosso tempo, sobretudo dos mais pobres e de quantos sofrem, são as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo. Monsenhor Romero historiou essa proclamação, afirmando que a Igreja trairia seu amor a Deus e sua fidelidade ao Evangelho, se deixasse de ser defensora dos direitos dos pobres; se deixasse de ser animadora de todo anseio de libertação; se deixasse de ser orientadora e humanizadora de toda luta legitima para conseguir uma sociedade mais justa que prepare o caminho ao verdadeiro reino de Deus na história. Isto exige que a Igreja tenha uma maior inserção entre os pobres, com quem deve se solidarizar até nos riscos e em seu destino de perseguição, disposta a dar o máximo testemunho de amor para defender e promover aqueles a quem Jesus amou preferencialmente. Essa preferência pelos pobres não significa uma discriminação injusta de classes, mas um convite a todos, sem distinção de classes, a aceitar e assumir a causa dos pobres como se estivessem aceitando e assumindo sua própria causa, a própria causa de Cristo (cf. 4ª CP, n.56).
(c) A Igreja, povo de Deus no mundo real
Na Bíblia, a formação do povo e a consciência de sua personalidade coletiva estão vinculadas ao descobrimento de Deus e à progressiva experiência de sua salvação. Javé forma o povo nos patriarcas (Gen. 12, 1-2; 17,4-8), o liberta da opressão e o escolhe como seu povo (Ex. 19, 3-8; Dt. 7,6) e conclui com uma aliança de graça (Ex 19-24); Dt. 5). Daí surge o dom e o imperativo de ser um povo santo (Ex 19,6). O povo é de Deus e dele vem sua identidade. Esta identidade é recolhida e atualizada por Monsenhor Romero em suas Cartas. "A Igreja atual - expressa Monsenhor - tem consciência de ser povo de Deus no mundo; ou seja, uma organização de homens que pertencem a Deus, porém que está nesse mundo. Por isso, o Concílio define a Igreja como ‘novo Israel que vai avançando neste mundo, que entra na história humana’ (L.G. 9). O que aqui se afirma é de importância capital porque o aspecto transcendente que deve elevar a Igreja até Deus somente poderá realizá-lo e vivê-lo estando no mundo dos homens e peregrinando na história dos homens" (cf. 2ª CP, pp.6-7).
A Igreja, afirma Monsenhor Romero, está no mundo para significar e realizar o amor libertador de Deus, manifestado em Cristo Por isso, ele sente a preferência pelos pobres (L.G. 8). Porque eles colocam a Igreja latino-americana ante um desafio e uma missão que não pode ser ignorar e ao que se deve responder com diligência e audácia (cf. Ibid., p.7).
Ter consciência de ser povo de Deus no mundo, leva à necessidade de estar no mais real do mundo, isto é, a realidade das maiorias oprimidas pela fome, pela miséria, pelas guerras, pela ignorância, por estruturas desumanas. Segundo Monsenhor Romero, "Medellín tem apontado esta trágica realidade do pecado, relacionando suas duas dimensões: ‘a falta de solidariedade que leva no plano individual e social, a cometer verdadeiros pecados, cuja cristalização aparece evidente nas estruturas injustas’... E quando se tenta resumir em uma frase em que consiste o pecado fundamental de nosso tempo para nosso continente, não duvida em afirmar que essa miséria, como fato coletivo, é uma injustiça que clama aos céus" (cf. Ibid., p. 10).
A perseguição à Igreja foi entendida por Monsenhor Romero como uma conseqüência "lógica" que sobrevêm ao povo de Deus, quando, por fidelidade ao Evangelho busca transformar um mundo dominado pela injustiça, pela mentira e pela morte. Ele o expressou nos seguintes termos: "Enquanto a Igreja predique uma salvação eterna e sem compromissos nos problemas reais de nosso mundo, a Igreja é respeitada e glorificada, e até lhe concedem privilégios. Porém, se a Igreja é fiel à missão de denunciar o pecado que leva a muitos à miséria, e dessa forma anuncia a esperança de um mundo mais justo e humano, então é perseguida e caluniada..." (cf. Ibid., p.33).
Porém, a Igreja não está no mais real do mundo somente para mostrar tudo o que existe de iniqüidade, mas também para semear esperança em um mundo melhor possível. Nossa esperança em Cristo, diz Monsenhor, nos faz desejar um mundo mais justo e mais fraterno. Por isso, agrega, a Igreja da Arquidiocese está interessada e esperançosa em que nosso país tenha, fora e dentro de nossas fronteiras, uma imagem nova e melhor. Por isso, o objeto de sua esperança está inseparavelmente unido à justiça social, ao melhoramento real do homem salvadorenho, sobretudo das maiorias; à defesa de seus direitos humanos, do direito à vida, à educação, à habitação, à medicina, ao direito de organização. (cf. Ibid., p. 37)
4. Conclusão:
Monsenhor Romero, um homem de Igreja, isto é, foi um cristão, um sacerdote, um bispo fiel à essência e missão da Igreja. Ser uma pessoa de Igreja significou para ele manter na história que lhe tocou viver o projeto e a pessoa de Jesus. Isto implicou um modo de ser Igreja: Igreja encarnada no mundo (porque Deus atua na história humana), Igreja servidora dos pobres (porque são vítimas da injustiça), Igreja povo de Deus (porque reconhece que todos somos Igreja e que a Igreja é de todos), Igreja fiel à melhor tradição universal e latino-americana (porque pôs em prática o espírito e a letra do Concílio Vaticano II, o pensamento social cristão, Medellín e Puebla), Igreja fiel ao testemunho martirial (porque os mártires são pessoas que seguem a Jesus, vivem dedicados à causa de Jesus e morrem pelas mesmas razões que Jesus).
(prova de Eclesio - Marcia Calmon)

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